A possibilidade do inventário extrajudicial diante da presença de testamento

A possibilidade do inventário extrajudicial diante da presença de testamento
O inventário extrajudicial ou administrativo foi introduzido no Código de Processo Civil de 1973 pela Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, e reafirmado nos §§ 1º e 2º do art. 610 do atual diploma processual e possuí alguns requisitos a serem seguidos.
Dentro da previsão do artigo 610, §1º, do CPC, todos os herdeiros devem ser maiores de idade e civilmente capazes, ou seja, devem ser maiores de 18 anos, não podem estar sob curatela e não podem ser relativamente incapazes, caso haja um menor de idade que tenha sido emancipado, haverá a possibilidade de prosseguir com o inventário extrajudicial.
O mesmo artigo preceitua a necessidade de consenso quanto à partilha dos bens, ou seja, não pode existir conflito de interesses entre os herdeiros. Caso, haja a quebra do consenso e o estabelecimento de algum tipo de litígio durante a realização do inventário extrajudicial, o procedimento deverá seguir de forma judicial, cada qual constituindo seu próprio advogado.
Contudo, o requisito da inexistência de testamento vem sendo contestado por muitos no meio jurídico, existindo decisões de primeira instância que afastam tal elemento, até então visto como essencial, quando todos os herdeiros forem maiores, capazes e concordantes com a via extrajudicial.
Com o devido respeito, o diploma legal que exige a inexistência de testamento para viabilizar o procedimento extrajudicial deve ser mitigado, especialmente nos casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho facilitado. Nos termos do art. 5.º da Lei de Introdução, o fim social da Lei 11.441/2009 é a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre guiar o intérprete do Direito.
Consigne-se, a propósito do debate, que o IBDFAM, em conjunto com entidades representativas dos cartórios, protocolou, em 16 de julho de 2014, pedido de providências junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o inventário extrajudicial seja possível mesmo quando houver testamento.
Outrossim, o artigo 982, da Lei nº 11.441, também prevê que, havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial, sendo então um dos requisitos para ingressar na forma judicial.
Contudo, as partes interessadas podem se deparar com a existência de um testamento deixado pelo autor da herança, muitas vezes desconhecido pela família. Diante desse impasse, nasce a dúvida sobre a possibilidade de avançar com o inventário extrajudicial, realizado por escritura pública, quando os requisitos para tanto já estariam preenchidos.
Assim, através do entendimento unânime do STJ, no Recurso Especial 1.808.767-RJ, decidiu-se o referido precedente que, ainda diante da existência de testamento, é possível prosseguir com o inventário extrajudicial e a respectiva partilha de bens sejam formalizados mediante escritura pública perante o Tabelião de Notas, desde que atendidos certos requisitos.
Primeiramente, os interessados devem ser maiores e capazes e estarem todos de acordo com a partilha e representados por advogado. E ainda, deve existir o registro judicial do testamento em processo judicial específico, ou seja, o provimento judicial para o ato de abertura, registro e cumprimento de testamento ou autorização expressa do juízo competente, sendo a possibilidade permitida por ser um procedimento que atinge sua finalidade social e reduz formalidades e burocracias, vejamos:
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXIS-TÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBI-LIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVO-GADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DI-REITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM.1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1º estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que “será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz” (art. 2.016) - bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC. 3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1º do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica- se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e lavrado no 18º Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões. 6. Recurso especial provido (Resp 1808767 RJ 2019/0114609-4. STJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Data do julgamento: 03/12/2019).
Por fim, o precedente em questão julgado pelo STJ, dá margem à uma celeridade maior nas causas sucessórias, ensejando uma redução da demanda dos processos perante os Tribunais.